18/05/2016

ODE AO CALENDÁRIO

Às seis da manhã 
Formigas operárias, embotadas de um silêncio ancestral,
pelos veios da cidade pão dormido, acordam de sonhos intranquilos
Da cama, reviro-me, saiu insone.
Tenho 27 anos! Ecoa amiúde, Tenho 27 anos!
E um não sei quê de raiva e descabimento.

Por isso, não acredito nos muros
E na esperança que o anseio de ser mais me engendra.
Pois, enquanto um outro eu, peregrina,
Entre escolas, farmácias e bares,
Sinto roçar, o meu espírito cão sem dono, o nó da impermanência,
Diminuto cuco do desfazimento, no cabide do descabimento
Eu e o medo da chuva tonitruante, insipiente colecionador de búzios – bois do acaso.

Ao meio dia, 
Entre sombras e sobras, retiro minha máscara de flandres;
Trago no peito uma solidão sem nome;
– na abstração teatral da urbe –
Divido um espaço com outros que comem;
Enceno mais um capítulo, história acidentada;
E pressionado pela idade já ida,
Observo às horas refletidas no pardo tecido da minha tez.

Por isso, golpeiam-me uma ânsia rouca
E o coice cintilante das sirenes que se atrasam, que se arrastam na noite atenta
Pois só subtraindo encontramos alguma alegria;
Só colonizando o outro em nós o amor se aviva
- Marionetes dialéticas de um alumbramento de opostos –
Enquanto nós por aqui, no desmantelo da tarde, ruminamos os gosto do gasto, do farelo e do pasto.  

À noite,
Em frente a morada que me ampara o sono, 
A memória, essa nossa lepra, sussurra entre ossos,
Sinto pesar sobre meus ombros um plúmbeo número do calendário:
22, hoje são 22, não faz muito, fiz 27.
Restam-me alguns dentes,
Uma boca amarga,
Um aranhão na testa,
Uma velha casca de ferida...
E ao espelho, vejo como dói – fico mudo –
O ávido efeito
De uma fome louca de tudo.

(RAMONND, Maurício. Prosa Poética Impura, 2012)



25/03/2016

NEM PT, NEM PSDB, MUITO PRAZER! SOU MAURÍCIO: uma pequena crítica ao discurso novelístico-maniqueísta que tem condicionado o debate sobre a atual cena política brasileira

Prof.: Maurício R. dos S. Oliveira

"Cada vez se torna mais claro, para mim, que a ética deve dominar a razão" 
(SARAMAGO) 

PT E PSDB
A polarização maniqueísta das discussões políticas – a tentação de repartir o povo brasileiro entre o bem e o mal – somada a nossa incapacidade ética de definir o que seja o bem e o mal, patrocina um discurso ditatorial-moralista; a violência (em suas mais diversas formas); destacam a promiscuidade das relações entre os poderes, os governos e as grandes corporações e revelam um Brasil indevidamente judicializado; política, democrática, econômica, educacional e socialmente analfabeto. 

Nessa terra “onde se plantando tudo dá” floresce a falta de bom-senso e, em meio a uma guerra civil, cada vez mais presente, temos nos tornado o país do “vale tudo”, do justiçamento, pois certos da inoperância do Estado Democrático e de suas instituições (principalmente os partidos políticos, a justiça, a educação e a polícia) estamos recorrendo a selvageria do justiçamento (físico e verbal), legitimados pela Lei de Talião e munidos pelo “se ninguém faz nada, eu faço”. 

Contudo, o que me motiva a escrever este texto é o como indevidamente estamos discutindo as consequências da crise ética que nos atravessa, polarizando os discursos na ideia de um golpe (ou impeachment) e nas figuras de Lula e Dilma. E nos desapercebendo, por consequência, do debate que uma sociedade devidamente educada/esclarecida deveria promover: “o debate sobre nosso projeto de Brasil”, ou seja, estamos perdendo uma grande oportunidade de discutir as bases-valores daquilo que somos e desejamos ser enquanto gente e, conjugados no coletivo, enquanto nação. 
Por isso, defendo que deveríamos aproveitar este momento, mais que propício, para discutir sobre: 

I – os valores que constituem o que somos, o nosso paradigma de gente, a nossa brasilidade (em boa medida, o jeitinho, a malandragem, a cordialidade etc.); 
II - a função social, a estruturação e a articulação das relações entre as instituições;
II – o esvaziamento ideológico dos partidos políticos e a reforma política; 
III – a submissão das democracias as lógicas capitalistas (o poder das grandes corporações sobre os destinos dos governos);
IV – o poder da sociedade civil organizada (a opinião pública) e os modos de participação exigidos por uma democracia (o que é uma democracia?); 
V – o papel e a função social da imprensa (o nosso modelo de democracia entende que devemos respeitar o direito e agir em defesa da “livre expressão”, o que isso significa?); 
VI – a função social da polícia; 
VII – os modelos de organização e estruturação dos Estados (democrático, presidencialista, parlamentarista, ditatorial etc.). 

Nesse contexto, destaco que, a crítica à imprensa, principalmente ao enfoque dado a Rede Globo (não que eu a defenda) é um sintoma, uma das evidências mais relevantes da nossa incapacidade de discutir os temas supracitados de modo mais aprofundado, visto que, culpabilizamos a Globo, mas esse não deveria ser o cerne da questão, pois em um país democrático as pessoas/instituições têm direito à livre expressão (tutelado pelos limites impostos por uma legislação), mesmo que o que digam seja bobagem ou atendam a direitos corporativos escusos. E, no mais, censurar a imprensa, é tão ilógico quanto defender a ditadura. 

Assim, o que verdadeiramente deveria nos importar é saber até que ponto temos conseguido educar os nossos para ler, para enxergar (n)os intertextos – o para além do dito; logo, deveríamos estar lutando por um país no qual o direito da imprensa de informar conviva com o letramento científico-político, com a capacidade de julgar o mérito da notícia, pois esse sim é o nosso maior problema: resguardar o direito à liberdade de expressão sujeitando-o às lógicas do debate público e esclarecido. 

Portanto, a ausência de um debate público esclarecido, justificada pela polarização maniqueísta de discussões que têm como o foco um embate novelístico entre PT e PSDB mediatizado por um PMDB (que não sabe se vai ou se fica) e televisionado, com grande destaque, pela Rede Globo, tem nos feito olhar para a direção errada – a das consequências (impeachment ou golpe, como queiram); quando deveríamos estar discutindo, com maior destaque, as origens do mal ou “os males de origem” (referência distraída a Manoel Bomfim) que têm atravessado, cindido atomicamente ao meio, ou aos pedaços, aquilo que somos. E, como bem dizia Leonardo Boff: "o partido é parte e a parte é muito pouco para o intelectual".
 “viver sem ler é perigoso, te obriga a crer no que te dizem" (Quino)