Prof.: Maurício R. dos S. Oliveira
"Cada vez se torna mais claro, para mim, que a ética deve dominar a razão"
(SARAMAGO)
A polarização maniqueísta das discussões políticas – a tentação de repartir o
povo brasileiro entre o bem e o mal – somada a nossa incapacidade ética de definir o que
seja o bem e o mal, patrocina um discurso ditatorial-moralista; a violência (em suas mais
diversas formas); destacam a promiscuidade das relações entre os poderes, os governos e
as grandes corporações e revelam um Brasil indevidamente judicializado; política,
democrática, econômica, educacional e socialmente analfabeto.
Nessa terra “onde se plantando tudo dá” floresce a falta de bom-senso e, em meio
a uma guerra civil, cada vez mais presente, temos nos tornado o país do “vale tudo”, do
justiçamento, pois certos da inoperância do Estado Democrático e de suas instituições
(principalmente os partidos políticos, a justiça, a educação e a polícia) estamos recorrendo
a selvageria do justiçamento (físico e verbal), legitimados pela Lei de Talião e munidos
pelo “se ninguém faz nada, eu faço”.
Contudo, o que me motiva a escrever este texto é o como indevidamente estamos
discutindo as consequências da crise ética que nos atravessa, polarizando os discursos na
ideia de um golpe (ou impeachment) e nas figuras de Lula e Dilma. E nos desapercebendo,
por consequência, do debate que uma sociedade devidamente educada/esclarecida deveria
promover: “o debate sobre nosso projeto de Brasil”, ou seja, estamos perdendo uma
grande oportunidade de discutir as bases-valores daquilo que somos e desejamos ser
enquanto gente e, conjugados no coletivo, enquanto nação.
Por isso, defendo que deveríamos aproveitar este momento, mais que propício,
para discutir sobre:
I – os valores que constituem o que somos, o nosso paradigma de gente, a nossa brasilidade (em boa medida,
o jeitinho, a malandragem, a cordialidade etc.);
II - a função social, a estruturação e a articulação das relações entre as instituições;
II – o esvaziamento ideológico dos partidos políticos e a reforma política;
III – a submissão das democracias as lógicas capitalistas (o poder das grandes corporações sobre os destinos
dos governos);
IV – o poder da sociedade civil organizada (a opinião pública) e os modos de participação exigidos por
uma democracia (o que é uma democracia?);
V – o papel e a função social da imprensa (o nosso modelo de democracia entende que devemos respeitar
o direito e agir em defesa da “livre expressão”, o que isso significa?);
VI – a função social da polícia;
VII – os modelos de organização e estruturação dos Estados (democrático, presidencialista, parlamentarista,
ditatorial etc.).
Nesse contexto, destaco que, a crítica à imprensa, principalmente ao enfoque
dado a Rede Globo (não que eu a defenda) é um sintoma, uma das evidências mais
relevantes da nossa incapacidade de discutir os temas supracitados de modo mais
aprofundado, visto que, culpabilizamos a Globo, mas esse não deveria ser o cerne da
questão, pois em um país democrático as pessoas/instituições têm direito à livre expressão
(tutelado pelos limites impostos por uma legislação), mesmo que o que digam seja
bobagem ou atendam a direitos corporativos escusos. E, no mais, censurar a imprensa, é
tão ilógico quanto defender a ditadura.
Assim, o que verdadeiramente deveria nos importar é saber até que ponto temos
conseguido educar os nossos para ler, para enxergar (n)os intertextos – o para além do
dito; logo, deveríamos estar lutando por um país no qual o direito da imprensa de informar
conviva com o letramento científico-político, com a capacidade de julgar o mérito da
notícia, pois esse sim é o nosso maior problema: resguardar o direito à liberdade de
expressão sujeitando-o às lógicas do debate público e esclarecido.
Portanto, a ausência de um debate público esclarecido, justificada pela
polarização maniqueísta de discussões que têm como o foco um embate novelístico entre
PT e PSDB mediatizado por um PMDB (que não sabe se vai ou se fica) e televisionado,
com grande destaque, pela Rede Globo, tem nos feito olhar para a direção errada – a das
consequências (impeachment ou golpe, como queiram); quando deveríamos estar
discutindo, com maior destaque, as origens do mal ou “os males de origem” (referência
distraída a Manoel Bomfim) que têm atravessado, cindido atomicamente ao meio, ou aos
pedaços, aquilo que somos. E, como bem dizia Leonardo Boff: "o partido é parte e a parte
é muito pouco para o intelectual".
Nenhum comentário:
Postar um comentário