27/06/2011

RETRATO DO BRASIL: Ensaio Sobre a Tristeza Brasileira

PAULO PRADO foi figura decisiva na vida intelectual brasileira durante a agitada década de 1920. Soube conjugar a posição de líder da cafeicultura paulista com intensa atividade cultural. Reconhecidamente o mentor da Semana de Arte Moderna, de fevereiro de 1922, coube-lhe ainda contribuir para a renovação da historiografía brasileira.
Retrato do Brasil ( Ensaio sobre a tristeza brasileira ) é um livro clássico da nossa cultura, podendo ser considerado a tentativa mais brilhante e polêmica de interpretação do caráter nacional.
Publicado em 1928, portanto às vésperas da derrocada da República Velha, Retrato do Brasil procura explicar as origens remotas do atraso econômico e cultural da Nação e dos vícios crônicos dos regimes políticos, através do processo de formação étnico-cul-tural da nacionalidade. “Damos ao mundo o espetáculo de um povo habitando um território — que a lenda mais que a verdade — considera imenso torrão de inigualáveis riquezas, e não sabendo explorar e aproveitar o seu quinhão. Dos agrupamentos humanos de mediana importância, o nosso país é talvez o mais atrasado (...) Pelas costas do oceano, e em manchas de civilização material, nos planaltos da serra do Mar, da Mantiqueira e nos campos do Sul, o progresso é uma indústria que, como na China, é explorada, numa rápida absorção, pelos capitais estrangeiros e poucos grupos financeiros nacionais que só cogitam — como é natural — dos próprios interesses (...) Na desordem da incompetência, do peculato, da tirania, da cobiça, perderam--se as normas mais comezinhas da direção dos negócios públicos (...)”
A explicação cientificista baseada na raça e história, produzindo traços marcantes na psicologia social, parecelhe fundamental. De fato, as teorias sobre o caráter nacional eram consideradas, no começo do século, a suprema conquista das ciências humanas. Justificava as diferenças nacionais, a evolução desigual dos povos. Mas a intenção manifesta do livro de Paulo Prado é contestar as falácias românticas e o ufanismo corrente na literatura oficial desde a publicação de Porque me ufano de meu país, de Afonso Celso. Retrato do Brasil, fundamentalmente, é a réplica explícita ao ufanismo e à patriotada vazia, com que se procurava encobrir nossa situação semicolonial. Num estilo incisivo e golpean-te, Paulo Prado denuncia: “Numa terra radiosa vive um povo triste. Legaram-lhe essa melancolia os descobridores que a revelaram ao mundo e a povoaram (...) A melancolia dos abusos venéreos e a melancolia dos que vivem na idéia fixa do enriquecimento — no absorto sem finalidade dessas paixões insaciáveis — são vincos fundos da nossa psique racial, paixões que não conhecem exceções no limitado viver instintivo do homem, mas aqui se desenvolveram de uma origem patogênica provocada sem dúvida pela ausência de sentimentos afetivos de ordem superior (...)”
O Autor divide o seu livro em quatro capítulos e um Post-Scriptum: I. A luxúria. II. A cobiça. III. A tristeza. IV. O romantismo.
Inicialmente trata da luxúria dos colonizadores no contato livre com o indígena e o negro. Daí a origem de nossas populações mestiças que, para Paulo Prado, dentro da visão da época, esgota o processo da formação nacional. Depois, estuda a cobiça do colono, seu desamor à terra, o desejo de enriquecer rapidamente, perseguindo a miragem do ouro. Denuncia o erotismo desordenado como fator degenerativo da raça e a escravidão como fato histórico do atraso econômico e sócio-cultural. Por fim, ataca o mal romântico, o lirismo melancólico, a distorção cultural do bachare-lismo divorciado do senso prático e da realidade do País. A tristeza como chave do psiquismo nacional é produto da exacerbação sexual, da fome do ouro, dos cruzamentos poligâmicos.
O Post-Scriptum constitui o arrazoado final de implacável julgamento histórico e a proposição de medidas radicais às vésperas da revolução de 1930, já então em pleno curso. “Para tão grandes males parecem esgotadas as medicações da terapêutica corrente: é necessário recorrer à cirurgia. Filosóficamente falando — sem cuidar da realidade social e política da atualidade — só duas soluções poderão impedir o desmembramento do país e a sua desaparição como um todo uno criado pelas circunstâncias históricas, duas soluções catastróficas: a Guerra, a Revolução (...)”
A Revolução veio com a Aliança Liberal, somando os tenentes com a dissidência oligárquica de que Paulo Prado era um dos expoentes. A Guerra eclodiria na sua forma armada 10 anos mais tarde, envolvendo toda a Humanidade.
Retrato do Brasil está definitivamente incorporado à história do pensamento brasileiro e não há como negar-lhe a importância golpeante na formação da consciência política dos intelectuais modernistas. Naturalmente, a tese exposta neste livro, de tão intensa notoriedade dos anos de 20 e 30, está sujeita a longas controvérsias. Sua própria natureza polêmica indicou o caminho da reflexão e do debate acerca da realidade nacional. Daí sua poderosa contribuição aos estudos brasileiros, a ponto de constituir até hoje leitura indispensável aos estudiosos e exegetas da nacionalidade.

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