06/08/2012

ROTINA

Às seis da manhã
Formigas operárias perambulam pelos vãos da cidade adormecida,
Da cama reviro-me, saiu insone.
Tenho 27 anos! Ecoa amiúde, Tenho 27 anos!
E um não sei quê de raiva e descabimento.
Por isso, não acredito nos muros
E na esperança que o anseio de ser mais me engendra.
Pois enquanto outros caminham
– Entre escolas, farmácias e bares –
Sinto um vazio abissal a roçar meu espírito de salário e pão;

Quantos lugares a conhecer?
Quantas comidas? Quantas pessoas? Quantas mentiras a contar?
Eu e minha permanência, insignificante menino do campo.
Quantos olhares a fitar? Quantos (amigos) inimigos a fazer?
Eu e o medo da chuva tonitruante, insipiente contador de estrelas.

Ao meio dia,
Vago andante, retiro minha máscara de flandres;
Trago no peito uma solidão sem nome;
– Na abstração teatral da urbe –
Divido um espaço entre outros que comem;
Enceno mais um capítulo da minha farsa existencial;
E entre os edifícios que compõem o meu horizonte cinza.
Observo às horas refletidas na minha tez,
Pressionado pela idade já ida,
Com a sensação de ter
Pela frente um resquício de vida.

À noite,
Em pé, enfrente a morada que me ampara o sono,
Aflito pássaro silente movido pelos cadarços invisíveis do tempo,
Sinto pesar sobre meus ombros um plúmbeo número do calendário:
22, hoje são 22, não faz muito, fiz 27.
Restam-me alguns dentes,
Uma boca amarga,
Um aranhão na testa,
Uma velha casca de ferida...
E ao espelho, vejo como dói – fico mudo –
O ávido efeito
De uma fome louca de tudo.

(RAMONND, Maurício. Prosa Poética Impura, 2012)

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